Prefácio
Para quem nasce “menina lagarta”, parece que a vida minúscula, desolada, já está traçada. Está destinada a ela porque tem pela frente os fossos sociais que conhecemos tão bem. O mundo da poesia, da música, da arte, dos livros, enfim, parece um projeto absurdo diante da necessidade de sobreviver. Sônia Barros é econômica para tratar com precisão este quadro social:
“Quartinho/ (penico, lamparina, espiriteira).”
“Quartinho/ (penico, lamparina, espiriteira).”
Alguns, entretanto, pela imaginação que insiste em brotar em terra hostil, acabam por conseguir levantar vôo. As histórias que nascem dos lábios da mãe cansada incendeiam a imaginação da menina. Há, porém, os que ficam perdidos pelo caminho sem poder sentir “dos dedos do vento, / o alívio/ do vôo-véu?”
(...)
Sônia Barros compõe uma delicada partitura, cheia de temas recorrentes. Uma música de câmara que ora ilumina ora escurece. A voz do poeta está presa ao próprio sentido do corpo. Ressalto uma palavra que muda bastante o contexto. Há uma mudança de ponto de vista quando o poeta deixa de olhar para o alto e volta seu olhar para a relva e as formigas. É quando surgem os olhos do filho. Da sobrevivência improvável (Origens) ao nascimento do filho, completa-se assim um ciclo. A poesia surge como uma possibilidade de reflexão sobre esse trajeto e de cauterização de tantas feridas.
Encaro os poemas de Sônia como um interrogar-se sobre a capacidade poética. Uma necessidade de refletir sobre sua poesia antes mesmo de lançar-se sobre ela. Ela teve a necessária paciência. Cevou e esperou. Ela veio. Agora, é perder o medo e buscar a inteireza do vôo. É entregar-se àquela que o poeta Rubens Rodrigues Torres Filho chamou de “a obscura religião dos pássaros".
Nenhum comentário:
Postar um comentário